Sindilav

Jul/Ago - 2016 - nº 193

Os 75 anos do Sindilav sob o olhar da tinturaria mais antiga de São Paulo

Uma matéria especial, com olhar diferenciado sobre as sete décadas e meia de atuação do sindicato.

Tão gratificante quanto completar 75 anos de atuação é poder ler mais sobre essa história com os olhos de quem nos ajudou a construir essa história. A seguir, reproduzimos o texto EP2 Textos Ltda. ME.

Sindilav comemora 75 anos de atuação e mostra transformações do setor de lavanderias a partir da história da tinturaria mais antiga do Estado de São Paulo, existente desde 1896

Arnaldo Arenzano da Tinturaria Terlizzi

Arnaldo Arenzano da Tinturaria Terlizzi

São Paulo, 23 de junho de 2016 – Sob o sol, pendurados simétrica e cuidadosamente em uma arara especialmente feita para este fim, ternos finos de alfaiataria movem-se lentamente sob o manso sol da tarde de outono. É com um sorriso aberto e muita disposição que Arnaldo Arenzano, de 77 anos, explica o procedimento de aparência artesanal. “Há pessoas que me dizem que parei no tempo, mas a verdade é que escolhi continuar fazendo as coisas como aprendi com meu pai. Cada um desses ternos custa pelo menos R$ 5 mil. É muita responsabilidade”, ensina o proprietário da Terlizzi Tinturaria, oficialmente a mais antiga lavanderia do Estado de São Paulo. Com seu conhecimento deste mercado, são mais de cinqüenta anos na atividade, por décadas exercida em paralelo com a função de juiz classista, Arenzano esclarece o que, afinal, tinturarias e lavanderias têm em comum: “No final do século 19 e no início do século 20, chegaram ao Brasil os primeiros tintureiros, vindos principalmente de Portugal, da Espanha e da Itália. Eles traziam a tradição da tinturaria, que ao contrário do que muitas pessoas imaginam, não têm a ver só com tingir roupas, mas principalmente com lavar e passar, com cuidados especiais. Antigamente, até se tingia, sobretudo quando acontecia alguma morte na família e se fazia necessário usar preto por um certo tempo. Já o nome lavanderia, tradicionalmente, era usado apenas para locais onde era feita a lavagem das roupas da casa, como lençóis e toalhas”, conta.

 

Instalações da Tinturaria Terlizzi

Instalações da Tinturaria Terlizzi

A Tinturaria Terlizzi foi fundada em 1896, pelo italiano Luiz Terlizzi, na Rua Aurora, no centro da cidade de São Paulo. Em 1920, o proprietário decidiu retornar para a sua terra natal e passou o negócio para o também italiano José Arenzano, pai de Arnaldo, então funcionário da tinturaria. “Nesta época, além dos europeus imigrantes, os japoneses também eram numerosos nesse tipo de trabalho. Eles passavam de bicicleta oferecendo seus serviços e eram figuras típicas na cidade”, relembra Arnaldo. Mais sofisticado, o público atendido pela Terlizzi sempre foi diferenciado. Lideranças políticas e o empresariado local, que amadurecia e se ampliava, formavam a principal clientela. A empresa chegou a contar com mais de cinqüenta funcionários – todos imigrantes europeus, conforme é possível verificar no livro de registros ainda guardado por Arnaldo. Quando o Palácio do Governo saiu do centro da cidade de São Paulo, em 1965, os Arenzano decidiram acompanhar o círculo de poder e a empresa passou a funcionar no bairro do Itaim Bibi. Arnaldo e seus dois irmãos, Horácio e Paulo, assumiram o negócio, parceria que seguiria até 1996, quando Arnaldo adquiriu um prédio no bairro do Brooklin, onde atualmente a lavanderia funciona. Nesta transição, Horácio e Paulo decidiram se aposentar. Arnaldo seguiu sozinho com seu trabalho artesanal, atraindo a mesma clientela de políticos e empresários que tornou a Terlizzi uma referência no ramo.

O local guarda equipamentos históricos, como ferros antigos. “Os ferros eram aquecidos em uma espécie de fogão especial e pesavam no mínimo seis quilos. Para trabalhar, utilizávamos uma luva térmica”, conta Arnaldo. As lavagens na Terlizzi são feitas a seco, em um equipamento da marca Castanho, adquirido na década de 50. “Eu parei na tecnologia, mas foi por opção”, afirma Arnaldo, referindo-se aos avanços tecnológicos que viu tomarem conta do setor, principalmente a partir da década de 1970, quando começaram a chegar ao Brasil redes estrangeiras de lavanderia. Segundo Arnaldo, abrir um desses empreendimentos passou a ser uma escolha bastante popular, principalmente para quem, depois de muitos anos trabalhando em grandes empresas ou bancos, conseguia gerar capital com rescisões de contrato. “Nessa época, esse era o principal perfil: gente que tinha trabalhando principalmente em banco a vida inteira e queria investir em um tipo de empreendimento que parecia dar lucro certo”, aponta. Novas máquinas e aditivos químicos baratearam os serviços e o investimento em publicidade tornou as lavanderias mais populares. O nome tinturaria passou a ser cada vez menos associado aos cuidados com peças de vestuário – que, então, passou a ir para a lavanderia junto com as roupas da casa.

Na onda desta popularização, que amadureceria nas décadas seguintes, outros empresários surgiram dispostos a investir no ramo também de forma independente. Atualmente, segundo o Sindilav – Sindicato Intermunicipal de Lavanderias do Estado de São Paulo, entidade que completa 75 anos em 2016 e que teve o pai de Arnaldo como um de seus fundadores, no Estado de São Paulo existem, aproximadamente, 6.000 lavanderias, sendo 4.900 domésticas e 1.100 industriais. Destas, 70% estão localizadas no município de São Paulo. “Cada tipo de empreendimento acaba ocupando um lugar específico no marcado. Hoje, há uma oferta grande de opções. O importante, mesmo, é que exista um compromisso com a qualidade e um investimento contínuo, principalmente na mão de obra. Mesmo com toda a tecnologia, no final das contas, eu ainda acho que o que faz a diferença é a sensibilidade das pessoas em relação ao que estão fazendo. Cuidar dos vestuários de outras pessoas, ou de roupas de casa, é um tipo de trabalho que deve ser visto com muito respeito”, enfatiza José Carlos Larocca, presidente do Sindilav. Ainda segundo dados do Sindilav, 80% das lavanderias do Estado de São Paulo são pequenas empresas e 90% têm até 10 funcionários. No Brasil, estima-se que existam 9.500 lavanderias, aproximadamente, sendo 7.400 domésticas e 2.100 industriais.

Tinturaria Terlizzi – Vista externa

Tinturaria Terlizzi – Vista externa

Em meio a fotos de artistas e autoridades e dezenas de revistas onde é possível conferir trajes dos mais sofisticados que já receberam os seus cuidados, incluindo figurinos para grandes espetáculos musicais e teatrais, Arnaldo Arenzano salienta a importância do setor e dos que nele atuam como um verdadeiro guardião. Diariamente, vai para a Tinturaria Terlizzi e, sozinho, aplica seus cuidados a cada peça que chega. “Levo horas para passar um terno e o ferro que utilizo pesa cinco quilos. É um trabalho que tem um lado físico, árduo. Mas, veja: os melhores alfaiates da cidade são meus parceiros. Continuo honrando a profissão que meu pai me ensinou e vou seguir até quando conseguir”, conta, com brilho nos olhos – um brilho que surge também quando ele mostra outros belíssimos ternos pendurados delicadamente, à espera da chegada de seus donos. Na Tinturaria Terlizzi, profissionalismo e nostalgia se entrelaçam. “Tenho certeza de que a lavanderias continuarão se desenvolvendo, crescendo. Vivemos um momento de grande desafio, é verdade. Mas, quem trabalha nesse setor sabe superar e avançar”, finaliza Arnaldo Arenzano.