Ernane Galvêas
O ano de 2008 está, nitidamente, dividido em duas fases: a primeira, de nove meses até setembro, e a segunda, a partir de outubro, correspondente ao 4º trimestre do ano. Em verdade, até setembro, o Brasil passou ao largo da crise global que mergulhou na recessão as economias dos Estados Unidos e da Europa.
No 3º trimestre, de julho a setembro, o PIB nacional ainda apresentou um crescimento surpreendente de 1,8% frente ao trimestre anterior (abril/junho) e de 6,8% em relação ao mesmo período de 2007. No ano, a economia brasileira avançou 6,4% e, nos últimos 12 meses, 6,3%, as maiores taxas da série histórica, desde 1980.
O mundo mudou para melhor, de 2000 a 2007. Agora, está mudando para pior. O Brasil teve vantagens excepcionais na primeira fase. Agora, vai ter que conviver com os efeitos da recessão mundial.
Até setembro, os últimos números do IBGE são um retrato do passado. A crise ainda não se mostrou de "corpo inteiro", no Brasil. Até novembro, as exportações cresceram 25,8% e a expansão do crédito interno chegou a 34,6%. Esses números certamente vão mudar, a partir de 2009 e deles vai depender a evolução do PIB nacional, além do ritmo dos investimentos, principalmente dos projetos contemplados no PAC. O Governo já adotou várias medidas no sentido de reduzir os impactos da crise e, segundo a imprensa, já foram mobilizados recursos da ordem de R$ 560 bilhões, inclusive um montante equivalente a US$ 46,5 bilhões, das reservas cambiais.
Falta esclarecer onde foram aplicados esses recursos.
Os juros do banco central
O Comitê de Mercado Aberto (COPOM) do Banco Central decidiu, no dia 10 de dezembro, manter a taxa básica de juros em 13,75%. Na opinião do Governador de São Paulo, José Serra, a única justificativa para essa decisão é a vaidade dos técnicos do Banco Central em querer mostrar a autonomia e a independência da instituição. Não importam as consequências.
Teoricamente, dizem os monetaristas que é importante manter a taxa de juros alta para prevenir contra a inflação. Que inflação? A inflação está caindo, a demanda dos bens de consumo duráveis está caindo, assim como os investimentos. Essa retração vem de fora, da área externa, da queda dos preços do petróleo, das matérias primas e dos alimentos. Nada disso tem a ver com a taxa de juros alta.
A taxa de juros alta incide diretamente sobre a dívida pública e agrava a situação deficitária do Governo, ajudando a enriquecer os investidores nacionais e estrangeiros que aplicam em títulos do Tesouro Nacional. É lógico que um rendimento de 13,75%, sem imposto de renda, contra uma inflação de 6% (IPVA) é o melhor negócio do mundo e atrai os especuladores.
Pensar que as famílias reduzem seu consumo por causa da SELIC, e os empresários reduzem os investimentos, é de uma ingenuidade infantil. No Brasil, os investimentos são financiados pelo BNDES a juros TJLP de 6,25%, o crédito rural é mantido pelo Banco do Brasil, a juros de 2,5% a 8,5%, e a construção civil habitacional é financiada, basicamente, pela Caixa Econômica, a juros vinculados às cadernetas de poupança. O consumo já é financiado a taxas astronômicas.
Ernane Galvêas é economista e assessor econômico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC. Foi Ministro da Fazenda do Brasil durante o governo João Figueiredo e presidente do Banco Central do Brasil (fev/1968 a mar 1974 e ago/1979 a jan/1980)".